BENDITA ESQUISITICE
Sim, bendita esquisitice que se apossou de mim desde criança e me fez chegar até aqui.
Estava eu numa reunião de pessoas que se consideram um tanto ou quanto “fora de esquadro” – por razões políticas ou de comportamento – quando, não lembro mais porquê, uma delas perguntou às demais:
“Quando foi a primeira vez que você se sentiu esquisito?
Um a um todos os presentes responderam à pergunta de modo direto, citando idade e locais. Quando minha vez chegou, resolvi ser indireto e contar uma história real… Esta que segue.
Quando eu tinha meus sete, oito anos, minha mãe, que era muito católica, me levava todos os domingos à missa, então rezada em latim e com o padre de costas para os fiéis. Lá ficava eu, com o padre a falar aquela língua incompreensível e os coroinhas a aspergir fumaça do incenso de seus turíbulos até que o ar se tornasse irrespirável… E, no meio daquela exaltação toda, a certa altura eu sempre caía duro no chão, ou seja: desmaiava.
No começo o Padre Rocha, que era o oficiante, se mostrou entusiasmado com meus desmaios. Segundo ele eram um sinal evidente do quanto a solenidade daquele momento me transportava.
“Este menino um dia vai ser padre, dona Maria do Carmo” – ele dizia à minha mãe… E ela olhava para mim orgulhosa.
O problema é que meus desmaios tornaram-se famosos entre os paroquianos. E estes passaram a esperar a hora da minha queda inevitável e deixaram de prestar atenção no Padre Rocha. Até que um dia ele concluiu que por minha causa estava desperdiçando seu latim, já que ninguém olhava mais para ele… E então chamou minha mãe na sacristia, disse a ela que podia continuar frequentando a missa, sim, mas não comigo. Pois ele meditara muito sobre meus desmaios e chegara a uma conclusão a respeito deles e de mim:
“Este menino é muito esquisito!”
Anos depois outro padre, por coincidência também chamado Rocha, explicitou melhor essa minha esquisitice.
Aos quinze anos fui trabalhar como office boy no vetusto e tradicional Banco Nacional do Norte, lá no Recife. Eu não sabia, mas o banco sempre mandava investigar a vida dos seus novos empregados – mesmo crianças como eu – e produzia um dossiê que o fazia se sentir seguro (ou não) quanto ao futuro comportamento do funcionário.
Uma pausa para dizer que eu amava o latim, queria até aprender a falar a língua e considerava o Padre Rocha, nosso professor, meu maior ídolo. Dito isso, continuemos.
Um dia estava eu a atender campainhas no banco quando o seu gerente, de nome Jairo, me chamou no seu gabinete. Quando entrei lá ele abriu uma pasta que estava sobre sua mesa e pediu que eu lesse uma das folhas de papel que ela continha. Era um depoimento do meu professor de latim a meu respeito no qual uma frase sua me lançava sem possibilidade de volta na categoria das pessoas esquisitas. Dizia ele a certa altura:
“Apesar da pouca idade, o aluno em questão já revela, nos gestos e trejeitos, visíveis tendências sodomitas”.
Cruel até onde se pode sê-lo com uma criança, o sr. Jairo, depois de me fazer ler novamente esta frase, perguntou:
“Você confirma isso?”
Eu não pude lhe dizer outra coisa senão “confirmo”… E naquela hora mesma fui sumariamente demitido. Ao cruzar as enormes portas de bronze do banco para nunca mais voltar, não resisti e lhe roguei uma praga… Que aparentemente pegou, pois anos depois ele e seus proprietários faliram.
Quanto a mim, seria mentiroso se dissesse que não sofri naquele dia – assim como sofri em muitos outros – por ser uma pessoa esquisita. Mas o tempo passou. E trouxe um final feliz para essa minha história: pois eu concluí que, se cheguei onde cheguei, se hoje sou o que sou (e, desculpem a falta de modéstia, não é pouco) foi por causa de uma única coisa: a minha esquisitice.
Eu me emocionei muito ao ler esse texto. E enquanto digito essas palavras continuo a refletir. Meu respeito, admiração e gratidão por você são eternos. E a cada novo texto , cada novo detalhe que você nos conta coisas sobre sua história de vida, seu passado e sua coragem, eu tenho cada vez mais certeza que escolhi o cara certo para chamar de ídolo.
Somos todos esquisitos, cada um de um jeito.
Meu esquisito favorito!!!♥️♥️♥️
Bendito sejam os esquisitos!
Caro, sr. Aguinaldo
Temos muito em comum… Certa vez, minha irmã, relatou que a minha professora disse a ela que minha mãe tinha que me levar ao médico, eu tinha apenas ,7 anos de idade. Hoje tenho a consciência que isso marcou a minha vida… Mas desde os meus 12 anos já queria escrever e depois ser autor de novela . Até um dia nos seus cursos e queira
Deus, no seu concurso de roteiros.
Um beijo no seu coração e muito obrigado por compartilhar a sua história de vida conosco.
Esse professor tinha que se preocupar com seu aprendizado linguístico e não com sua orientação sexual, não é?
Muito bom, muito bom… esse menino vai ser padrekkkkkkkkkkk. O padre estava, cego
Esquisita era a cara do Buster Keaton. Vc é surreal
O que tá faltando para colocar um esquisitão como personagem em uma de suas novelas ?
Vendo a foto que ilustra sua matéria, me achei parecido quando jovem, magro e feio. Mas como consolo, nunca fui chamado de esquisito.
Meu Deus, você era uma criança linda, misteriosa… Agora entendi aquela frase que a Clarice Lispector lhe disse quando lhe conheceu, e que está no seu livro “Turno da Noite”: “tem certeza que você não é uma menina?” Acho que você, no momento em que tiraram esta foto, podia ser tudo que quisesse. Não sou sua tiete, você sabe, mas esta foto e este seu texto… Paabéns, garota!
Não sei, fiquei em dúvida. Você não gostava de ser esquisito naquela época? Então por que agora sente orgulho disso?
Uma coisa eu aprendi com você: os esquisitos sempre se dão bem e ganham muito dinheiro.
Você fala das coisas mais terríveis que lhe aconteceram com bom humor e até certa nostalgia. Esta é a melhor parte de você: em nenhum momento se faz de vítima. Sim, porque não existe nada mais chato que o vitimismo.
Lendo as últimas coisas que escreveu aqui, no face e no twitter, sinto que, por mais que disfarce, você está bem lúcido quanto a uma coisa: o inverno está chegando! Mas tenho certeza que, quando isso acontecer, você estará abrigado debaixo daquele belo sobretudo Armani que eu lhe vi usando no último inverno em Paris. Mesmo porque sempre teremos Paris, não é mesmo?
Teremos Paris, sim… Mas cada um no seu canto, querido. Do jeito como você escreveu, daqui a pouco os “sites” de dez centavos vão dizer que lá nós dois estávamos juntos. Sabe que este pessoal interpreta as palavras dos outros sempre da maneira que possa lhes render mais clics…
Eles até interpretam da maneira correta, mas fazem questão de “sensacionalizar”.
Que história linda. Meu pai foi o meu Padre Rocha e Sr. Jairo. Colocou uma etiqueta de “esquisita” em mim quando eu era bem novinha, 5 ou 6 anos, e a cola ficou grudada por mais que eu tenha forçado para tirar o rótulo. Quanto ao Jon Snow eu não gostei do comentário dele não, desculpe-me Jon, destesto qualquer demonstração de intimidade em público, por mais delicada que seja. Talvez seja esquisita mesmo rsrs
Esquisito mesmo foi quando notei que a saga do bom e velhaco Roque Santeiro (aquele que era dado como morto, porém mártir, e depois ficou no dilema do reaparecimento, já que estava mais vivo do que a inflação) está servindo de inspiração para a trama das 21 horas. É esquisita essa comparação ? Vamos que vamos.
Por isso tão grande, por isso tão o seu personagem – Comendador, que mesmo ao morrer, se eternizou, por sua coragem e esquisitice. O admiro! Mesmo depois que não mais estiver aqui para nos emocionar com suas escritas, estará eternizado e fragmentado em cada pessoa que conheceu: Aguinaldo Silva, o autor de si. Parabéns e obrigado por esse momento!